Ninguém provavelmente ficaria surpreso ao saber o enredo de um filme sexualmente explícito realizado em 1927. A diferença é que as “produções” eram realizadas de maneira totalmente secreta, exibidas em clubes fechados, guardados de forma caseira e inadequada. Assim, tiveram muito pouca preservação
Um stag film (blue movie ou smoke) é um gênero de filme pornográfico que foi realizado na primeira metade do século 20. Películas breves em duração, mudas e sem acréscimo de trilha sonora ao vivo, ao contrário do que era comum nos primórdios do cinema. Estes filmes não eram exibidos em salas de projeção convencionais.
Houve, é claro, uma resposta da coletividade masculina a este gênero. Os stags são encarados de maneira mais representativa hoje em dia, porque se apresentam como preciosidades a estudiosos e acadêmicos. Tais peças da “sétima arte” representavam um comportamento sexual explícito realizados à sombra das leis e da censura. Eram exibidas para audiências exclusivamente formadas por homens, em confrarias, clubes secretos ou locais improvisados.
Na Europa, stags eram frequentemente assistidos em bordéis. O termo smokes advém de casas reservadas ao consumo de charutos e tabacos em geral, até hoje clubes um tanto quanto fechados. As películas também eram dadas “de presente” em festas de despedida de solteiro (stag party), daí a origem mais provável do termo.
Alguns historiadores consideram o filme argentino El Satario (anônimo), produção de período inexato, provavelmente algo entre 1907 e 1912, como a mais antiga peça pornográfica ainda hoje preservada. Esta raridade é uma entre milhares de stag films, que apresentavam breves narrativas agrupando de forma aleatória “pegação”, oral, penetração e ejaculação.
O livro Black and White and Blue: Adult Cinema from the Victorian Age to the VCR (ECW Press, 2007), de Dave Thompson, analisa toda trajetória da pornografia no cinema desde os primórdios até a chamada “Era de Ouro”, que inaugura-se no final dos anos 1960, sendo os tradicionais “pornôs” que são consumidos desde então.
Curiosamente, o maior acervo de stag films de que se tem notícia foi adquirido pelo estudioso Alfred Kinsey (1894-1956), biólogo norte-americano autor de vasta obra sobre a sexualidade humana. Kinsey, lotado na Universidade de Indiana, chegou a estabelecer um acordo com departamentos de polícia de todo país para que todo material em película apreendido fosse enviado a ele. Provavelmente nenhum museu do sexo ao redor do mundo tenha tão vasta filmografia. Kinsey chegou a cerca de 1.600 filmes, entre stags tradicionais e material caseiro — com o advento do super 8 nos anos 1950 a produção caseira tornou-se vasta. E sempre havia alguma coisa no “armário do vovô”. Peças assim são até hoje coletadas por pesquisadores do gênero. Kinsey ganhou uma cinebiografia: Kinsey (Bill Condon, 2004) – com Liam Neeson no papel do professor.
Em entrevista recente para a revista Vice o colecionador Albert Steg (nome totalmente coincidente) declarou que “pode parecer estranho, mas há uma crença generalizada e compreensível de que a abertura sexual se move de forma linear, e como resultado os stags hardcore são novidades de uma dissonância cognitiva. Eles parecem saber que não deveriam ter sido feitos na década de 1920”. (trad.: Flavio Jacobsen)
E havia de tudo nos primeiros pornôs da História. Homossexualismo, lesbianismo, bandagem, sadomasoquismo, grupal, e toda gama que veio a permear a pornografia de todo sempre.
Essa quantidade enorme de material ainda restante provavelmente não representa 10% do que deve ter sido de fato produzido. E estes filmes são mais do que mera excentricidade, apesar de parecer paradoxal. Muito além, são uma janela poderosa para o entendimento da sexualidade e muito especialmente das relações sociais do final do século 19 e início do 20. Todo esse material permanece em grande parte ausente do repertório de registro histórico tradicional, entretanto. É algo que promove uma conexão com o passado e acaba por transformar a História em algo mais humano, com tudo que de visceral possa ser inerente ao termo.
O stag decolou na década de 1920 com o surgimento de algumas das primeiras câmeras e projetores acessíveis. A partir dos 1960, novas lojas para adultos criaram infraestrutura diferenciada para exibição. Eram estandes reservados, exibindo cenas sexuais de 8 mm. Aos poucos a cor e o som começaram a tomar conta do pornô. Em 1968, iniciaram-se as grandes produções, e em 1973 surge Garganta Profunda. E os stags foram sepultados para sempre. Ressurgindo agora como objeto de curiosidade, muito mais que de estudo. Graças à internet.
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Fotos: reprodução
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*Há vasto material de porn silent movies disponível na rede. Assista a um exemplo aqui.