Líder dos Rolling Stones esteve no país várias vezes, nem sempre para fazer shows. Sua passagem mais memorável foi para produção audiovisual de seu primeiro álbum solo, em 1985
De repente Mick Jagger aparece no meio da mata atlântica em algum ponto do litoral brasileiro. Sozinho e fugitivo, parece estar em maus lençóis. Ele precisa usar um telefone e consegue auxílio de um casal que não entende o que ele fala. “Who’s fuck is Mick Jaggero?”. Ele dá seu telefonema de dentro de um pequeno armazém, em uma cidade histórica, de estilo colonial.
A cena é parte do filme Running Out Of Luck, peça promocional do álbum She’s the Boss, o primeiro solo do artista. Além do filme, dois videoclipes foram rodados em território brasileiro, com as músicas Just Another Night e Lucky in Love. O filme seria uma espécie de “âncora” promocional dos clipes e principalmente do álbum, uma tacada que Jagger — cheio de grana e prestígio naquele período — aplicava, em uma tentativa de se descolar dos Rolling Stones, devido ao insucesso de seu álbum anterior, Undercover (1983) e principalmente o desgaste na relação com Keith Richards, guitarrista da maior banda de rock’n roll de todos os tempos.
Não era a primeira incursão de um rollingstoner pelo Brasil. Em 1968, Jagger e Richards já passaram um período de férias no país, com direito a passagens por Salvador e uma lendária estadia no interior de São Paulo, em Matão, na chácara do banqueiro Walter Moreira Salles.
Reza a lenda que a batucada baiana influenciou a batida de Simpathy for the Devil, que seria gravada no álbum Beggars Banquet, daquele ano. Dizem também que a dupla e suas esposas à época foram se refugiar em Matão após terem arrumado confusão com os seguranças de um hotel no Rio de Janeiro, em uma festa de réveillon. Salles saiu em socorro dos cabeludos e ofereceu sua chácara.
É fato confirmado pelo próprio Keith Richards que foi no interior de São Paulo que ele encontrou a sua famosa afinação de guitarra, inspirada nos tocadores de viola caipira da região. E também que foi lá que ambos compuseram a mitológica Honk Tonk Woman. A passagem pelo interior paulista rendeu o documentário Alliens 69: Quando os Rolling Stones Invadiram Matão.
Depois, em 1975, estiveram novamente no Rio de Janeiro, promovendo o álbum Black & Blue, com direito a uma foto na qual Ron Wood aparece com a camisa do Fluminense, time sensação da época. E também uma jam session em estúdio que contou com a presença de Dadi, o baixista dos Novos Baianos e da Cor do Som.
A aventura audiovisual de Mick Jagger em 1985 teve direção do britânico Julien Temple, e contou com a infraestrutura de produção e equipamentos da Renato Aragão Produções, única com estrutura adequada à época, já exitosa nos grandes sucessos arrasta-quarteirão dos Trapalhões.
Diversas personalidades do heroico e combalido cinema brasileiro participaram do filme. Desde as lendas Grande Otelo, Norma Bengel, Tonico Pereira, Tony Tornado, até um desconhecido Raul Gazola. Mick Jagger gozava da simpatia de todos e retribuiu na mesma moeda. Deu uma antológica entrevista à repórter Glória Maria, com beijo e tudo. Comeu todas as cocadinhas do citado empório emprestado à cena do telefonema, o armazém São Pedro, em Paraty, bem como se acabava no carteado com os peões da filmagem, tendo aprendido a jogar truco.
O filme, bem como os videoclipes e mesmo o disco, tocado à exaustão nas rádios dado ao poderio da CBS Records, não vingaram. Era normal o investimento pesado em clipes de produções caríssimas, que contavam histórias bobas, via de regra. Era o início da MTV e a linguagem do audiovisual investiu pesado neste formato. Desde Thriller de Michael Jackson, especialmente.
Mas o que vale é o registro de mais uma passagem de Mick Jagger pelo Brasil, com cenas gravadas inclusive no interior do Fluminense Futebol Clube, e seu salão magnífico, na rua Álvaro Chaves, nas Laranjeiras, onde simula-se um cassino e depois uma casa de shows, as inúmeras participações de artistas brasileiros nas sequências e a simpatia do cantor com toda galera.
A história de Jagger com o país ainda ganharia contornos mais sérios no futuro, com a inclusão do Brasil nas turnês da banda, que voltaria com tudo nos anos 1990’s, e ainda renderia um filho com a modelo Luciana Gimenez, fruto de uma “rapidinha” nos bastidores de um dos concertos. Depois, a Copa do Mundo de 2014 e a fama de pé-frio, e tudo o mais.
Running Out Of Luck acaba sendo uma parte de um registro de um país que se redemocratizava, de uma época divertida que culminaria no “verão da lata” alguns anos depois.
E não deixa de ser também, antes de tudo, cinema brasileiro.
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Leia. Ouça. Assista:
Entrevista de Mick Jagger com Glória Maria
Mick Jagger – Just Another Night – clipe oficial
Mick Jagger – Luck in Love – clipe oficial
Alliens 69: Quando os Rolling Stones Invadiram Matão – documentário completo
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Imagens: reprodução