O corpo, sem dúvida, está na moda. A tal ponto que um dos “puxadinhos” que a cultura contemporânea tão bem soube construir em torno do edifício da ciência, parece estar totalmente dedicado a ele
E produz sem cessar novos saberes sobre como bem alimentá-lo, ou melhor, como nutri-lo corretamente. Como bem exercitar o corpo, e como poupá-lo para que nunca falte. Como livrá-lo das suas imperfeições e fazer dele um instrumento para o sucesso. Como purgá-lo de todos os maus hábitos e consagrá-lo ao ideal, senão da juventude eterna, da longevidade apresentável. E qualquer um que não se engaje nessa cruzada pela assepsia do corpo, que não consuma os produtos da sua ideologia, facilmente se torna uma persona non grata, uma espécie de pária numa sociedade em que a conservação do corpo é mandatória.
Prescreve-se um uso dito “consciente”, parcimonioso, do corpo como de qualquer outro bem. Mas ao mesmo tempo, nessa condição ele é reformável, mutilável, moldável, para que exiba uma anatomia capaz de apaziguar qualquer inquietação. Entretanto a despeito de tudo, parece que esse mesmo corpo nunca abrigou tanto sofrimento.
Do que padece o corpo, quando não pode padecer da paixão que o constitui? Que males o afligem quando se pretende reduzir o mistério de que é feito a um punhado de saberes positiváveis? Quando se pretende reduzir o corpo a um punhado de órgãos, ou a uma imagem sem sobressaltos?
Essas e outras questões têm nos ocupado desde que anunciamos, no tempo que antecedeu a pandemia, o IV Colóquio Internacional De Psicanálise para outubro próximo, tendo como tema o corpo. Como parte da preparação para ele, vimos realizando essa série de Sábados da Letra, cada um deles abordando um diferente recorte desse imenso trançado que é o tema do corpo na psicanálise. Chegamos assim ao último encontro dessa série, último a se realizar antes do Colóquio, e nele mais uma vez esperamos contar com a interlocução de todos aqueles que têm nos acompanhado nesse percurso.
Angela Valore
Presidente da Letra – Associação de Psicanálise
