Shows de horrores eram comuns no século 19. Foi durante muito tempo a diversão mais popular da classe média emergente no período
O freak show foi uma instituição da Era Vitoriana. Teve seu início a década de 1840 até o final do reinado de Eduardo VII, no começo do século 20. Mulheres barbadas, anões, gigantes e pessoas com anomalias ficaram “famosos” nos circos que se dedicavam quase que exclusivamente a esse exótico e peculiar modelo de entretenimento.
Os freak shows (espetáculos de horrores) foram inseridos nos anos 40 do século 19 em uma espécie de indústria de entretenimento, que se desenvolveu paralelamente à modernidade, à Revolução Industrial e ao crescimento das cidades, especialmente as capitais europeias, na qual Londres era a ponta de lança.
No período, surgiu a classe média como conhecemos hoje. Inventou-se o feriado. Trens, navios a vapor e transporte público. E o lazer passou a ser também um negócio. A “indústria” de aberrações prosperou tal e qual. Os freak shows atravessaram o Atlântico, aportando na América do Norte e também em alguns pontos da América Central e do Sul.
Um anão chamado Charles Stratton, de 25 centímetros de altura, em um dia de 1844 foi ao Palácio de Buckingham. Ele estava vestido com um terno refinado e um chapéu que emoldurava seus cabelos e ressaltava suas bochechas, imberbes. O anão estava acompanhado de PT Barnum, conhecido como “o maior showman” da humanidade”. Foram ter com a rainha Vitória, que acabou por atendê-los.
A comitiva real ficou impressionada com Stratton, que realizava truques, imitações e toda graça de humor e esquetes. Vitória acabou escrevendo em seu diário que Charles Stratton era “a maior curiosidade que eu já havia visto”. A monarca, inadvertidamente, acabou dando a carta branca para uma revolução que estava prestes a ocorrer.
O show de horrores acabou revelando-se como uma expressão da cultura popular, em forma de arquétipo. Apreciado desde a monarquia até a tal classe média que já se instalava na Grã-Bretanha. Havia programas que contavam com salas privativas, reservadas apenas a mulheres, outras eram para toda a família.
O preço do ingresso variava. Os baratos eram para que a classes operária. O freak show foi classificado “entretenimento educativo”, que oferecia aprendizado acerca de mistérios, cultura e outras realidades, de pessoas exóticas que vinham de toda parte do mundo, como é comum nos circos
Homens da medicina e da ciência se reuniam para assistir aos espetáculos. O freak show acabou curiosamente nunca sendo marginal, underground, sendo antes o contrário: dirigido à parte “incluída” da sociedade vitoriana. Não deixava de ser um aparato para reflexões acerca de raça, sexo, ciência, deficiência, gênero e… classe.
A história dos espetáculos de aberrações vem de antes da Era Vitoriana. Plínio, Cícero, Aristóteles e Agostinho discorreram em suas obras sobre aberrações físicas. No século 17, podiam ser vistos em feiras, mercados, cafés e tavernas em toda a Europa. Anões — sempre eles — também foram mantidos como animais de estimação em algumas cortes, do Império Romano e da Idade Média.
O show de horrores vitoriano estava enraizado nos palácios. Monarcas e membros das realezas mantiveram uma coleção de curiosidades aberrantes. A incursão de PT Barnum na aberração começou em 1835, quando ele exibiu uma escrava senil e paralisada em uma feira na América. Ela foi apresentada como a enfermeira de George Washington, de 161 anos. Obviamente ela tinha “apenas” 80. Barnum arrastou-a pelo norte dos EUA até que ela morresse em 1836. Posteriormente, providenciou sua dissecação pública.
A partir da década de 1870, Barnum popularizou o espetáculo de circo. Era a “Broadway” do freak show. O “manager” apresentava os chamados gigantes, anões, homens-esqueleto (gente com fome e subnutrida), gêmeos siameses e mulheres muito gordas. Além de canibais, zulus e “selvagens”, capturados na África. Homens tatuados e também artistas que realizavam manobras que podiam ser consideradas incríveis, como engolir fogo, contorcionismo e toda sorte de arte circense propriamente dita, daí.
Foi de fato quando Barnum descobriu o anão Charles Stratton, com apenas quatro anos em Bridgeport, Connecticut, EUA, em 1842, que a coisa teve seu início. Stratton tinha talento, charme e beleza. Seu corpo proporcional, mas em miniatura, o tornava “agradável” para aquela gente vitoriana. Ele adotava o nome artístico de Tom Thumb. A Rainha adorou. Estava feito.
Segundo o historiador John Woolf, a rainha Vitória patrocinou os freak shows, “incluindo Anna Haining Swan e Martin van Buren Bates, dois ‘gigantes’ casados na paróquia real de St Martins-in-the-Fields em 1871, e os gêmeos siameses, Millie e Christine, que nasceram na escravidão”.
Ainda segundo Woolf: “os súditos da Rainha continuaram a adorar shows de aberrações que, na última parte do século, estavam ocorrendo em todos os tipos de locais de entretenimento – de zoológicos a aquários, parques de diversões a carnavais, museus a salas de música. Em 1862, o excêntrico naturalista Francis Buckland e o funcionário público Arthur Munby dirigiram-se a uma exposição em Londres faturando The Embalmed Female Nondescript and Child. Dentro do local estava o cadáver de Julia Pastrana, nascida no México, que os dois homens viram em 1857, quando ela cantou e dançou como The Baboon Lady”.
No final do século 19, foram muitas as forças que colaboraram para o declínio dos freak shows. A ciência e a medicina se profissionalizavam, os freak performers iam cada vez mais dos palcos para os laboratórios. Os avanços na ciência deram status de enfermidade à “diferença”. Após o início da Primeira Guerra Mundial — na qual as deficiências eram muito mais insanas, especialmente em função de suas decorrências — não era mais atraente ficar deslumbrado na frente de pessoas com deformidades.
Há quem considere, de toda forma, que os freak shows transformaram indivíduos excluídos e marginalizados em personagens extraordinários, verdadeiras estrelas. É controverso por natureza. Seu significado não deve ser ignorado. Antes, estudado. O show de horrores da Era Vitoriana foi uma parte significativa da sociedade.
Fica a reflexão de como a humanidade parece nunca conhecer limites para a aberração.
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Ouça. Leia. Assista:
The greatest show on earth? The myths of the Victorian freak show, por John Woolf
Freak Show – filme, dir: Trudie Styler
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Imagens: reprodução