Hanna-Barbera. Vencedores em uma briga de gato e rato


Estúdio é a maior referência no universo dos desenhos animados em todos os tempos

É praticamente impossível encontrar um ser vivo sobre a Terra que não tenha tomado um mínimo contato com alguma produção de desenho animado produzido no século 20 durante algum período de sua vida. Dentre todos, é ainda mais impossível que alguma dessas produções não tenha sido uma criação dos estúdios Hanna-Barbera. A maior referência do gênero.

Em uma época em que a General Motors vendia 50% de todos os carros nos EUA, o programa de televisão 60 Minutes se referiu certa vez à Hanna-Barbera como “a General Motors da animação”. O famoso estúdio na verdade ia ainda mais longe, produzindo quase 2/3 de todos os desenhos animados dos chamados “Saturday Morning” nos EUA. Tudo isso em um único ano.

A expressão saturday morning se deve a ter sido em uma manhã de sábado, em 1950, que pela primeira vez na história crianças da América ligaram os antigos aparelhos de televisão — que já enfeitavam praticamente todas as casas de classe média norte-americanas — para assistir a dois programas que eram feitos apenas para o público infantil. Exibido na ABC, o Acrobat Ranch foi apresentado pelo Uncle Jim (Tio Jim) e apresentava números de circo encenados por Tumbling Tim e Flying Flo. O outro programa, Animal Clinic, apresentava animais vivos com informações destinadas a um público mais adolescente.

A Hanna-Barbera Productions foi formada em 1957 por William Hanna e Joseph Barbera, que durante anos foram animadores e produtores de muito sucesso na MGM Studios (a Metro-Goldwyn-Mayer, aquela do leão no início dos filmes), onde no final dos anos 1930 criaram a dupla de gato e rato Tom & Jerry. Um dos desenhos animados mais populares de todos os tempos. Pelo trabalho no período, a MGM recebeu sete Oscars de animação, mais que o próprio Walt Disney.

Billy Hanna e Joe Barbera deixaram a MGM quando o estúdio interrompeu a produção de filmes de animação. Aproveitando a onda que alterava o foco, ampliando sua lente para o infanto-juvenil, a dupla aproveitou a deixa e começou a produzir para as crianças. Com The Huckleberry Hound Show e Yogi Bear em 1958, seguidos pela inovadora série do horário nobre The Flintstones, em 1960, quando alcançaram sucesso inédito. Nos 40 anos que seguiram, a Hanna- Barbera produziu incríveis 249 séries de desenhos animados.

Parceiros durante mais de 60 anos, Hanna e Barbera receberam aclamação comercial e crítica, seu trabalho de animação inovador foi premiado para além dos sete Oscars de Tom & Jerry, mais 8 indicações adicionais e ainda oito Emmys, dentre vários outros prêmios e referências. Muitos creditam à dupla a salvação do setor de animação, após a queda do gênero no mercado utilizando soluções inovadoras e muito trabalho.

Enquanto trabalhavam na MGM, Joe abordou Billy com uma pergunta: “por que não fazemos um desenho animado nosso?”, e mostrou a ele uma foto. Era um gato e um rato. Joe Barbera lembrou: “no espaço de um minuto em que você vê um gato e um rato na tela, você sabe que é comédia”. Com apoio dos colegas, o produtor-chefe Fred Quimby, entretanto, detestou. Voto vencido, o desenho foi levado a cabo.

Tom & Jerry estrearam no curta de animação Puss Gets the Boot (1940). Embora reconhecíveis como Tom e Jerry, os personagens foram nomeados Jasper e Jinx neste primeiro desenho. No segundo, The Midnight Snack (1941), Tom e Jerry receberam seus hoje eternos nomes.

O produtor Fred Quimby não vislumbrara um futuro para a animação, e usou como argumento que desenhos com um gato e um rato não eram uma ideia nova. O que era verdade. Felizmente para Joe e Billy, um distribuidor do Texas escreveu para a MGM após o lançamento de Puss Gets the Boot perguntando quando eles veriam mais desenhos como aquele. Quimby adentrou o estúdio aos gritos: “ei, pessoal, façam mais desenhos de gato e rato”.

Puss Gets the Boot ganhou uma indicação ao Oscar, assim como seu terceiro curta no ano seguinte, The Night Before Christmas (1941). Nos anos vindouros, os curtas de Hanna e Barbera com seus astros Tom & Jerry começaram a empilhar mais troféus que os Yankees no beisebol.

Quanto à inovação, ela surgiu na adversidade, pouco tempo depois da glória adquirida: com fechamento das mais diversas unidades de animação cinematográfica em meados da década de 1950, William Hanna e Joseph Barbera foram forçados reinventar a forma como a animação era apresentada ao público em geral. Tudo se devia ao corte de gastos que atingiu o mundo inteiro no pós-guerra.

Uma maneira de economizar acabou sendo através do uso de uma animação mais econômica. Ainda no início dos anos 1940, alguns ex-artistas da Disney já se utilizavam de um expediente que veio a ser chamado de “animação planejada”, com a utilização de menos quadros por segundo. A animação planejada usa um número menor de células do que a animação completa — a animação perfeita praticada pela Disney, signo de excelência no mundo dos desenhos animados até hoje. Mas era preciso cortar gastos.

Para um filme padrão da Disney, a película seria projetada no padrão de 24 quadros por segundo, como é o padrão do cinema. Cada quadro tendo um fotograma diferente. A animação planejada utiliza menos quadros, em vez de cada quadro ter uma nova imagem, os quadros seriam repetidos por 2 ou 3 vezes, resultando em 12 ou 8 quadros diferentes por segundo. Traduzindo: menos quadros, menos desenhos, menos horas trabalhadas, menos custo. Joseph Barbera comentou: “a animação limitada salvou toda a indústria, ninguém estava conseguindo emprego naquela época”.

Embora a animação planejada tivesse seus detratores, essa maneira mais simplificada de animar exigia mais esforço em outras áreas. Era preciso ser engraçado, investir nos temas. E argumentos os mais diversos foram criados. Desde uma família que vivia na Idade da Pedra feito os padrões contemporâneos de classe média, até um urso fanfarrão e suas aventuras em um parque ecológico nos rincões do gelado estado de Washington.

Naturalmente, também houve a migração do cinema para a televisão. A tevê era normalmente considerada um dispositivo familiar — como foi o rádio por décadas —  e era pouco comum ver um programa destinado diretamente a espectadores infantis. No entanto, como foi determinado que os adultos assistiam menos televisão nas manhãs de sábado, parecia ser o momento ideal para transmitir programação centrada nas crianças. Daí o termo saturday morning acabou se tornando sinônimo para “desenho animado”.

Desde o início, Hanna e Barbera tiveram a esperteza de produzir todos os seus desenhos de televisão em cores, embora nenhuma das redes promovesse transmissão colorida, e levasse ainda anos para que os primeiros desenhos fossem ao ar dessa forma. “Joe e eu podíamos ver a programação colorida surgindo no horizonte da televisão”, disse Hanna. Além disso, se a televisão não desse certo, os desenhos coloridos da Hanna-Barbera estariam prontos para exibição nos cinemas.

Eles não erraram. Foram verdadeiros vencedores na briga de gato-e-rato que é o universo do cinema e tevê. Construíram um verdadeiro império, que foi parar no mundo inteiro, inclusive o Brasil. Todo mundo se lembra do Zé Colmeia, Scooby Doo, Flintstones, Jetsons, Coelho Ricochete, Peter Potamus ou do Bionicão, que empregaram milhares de dubladores mundo afora.

Um desenho animado vai bem, mesmo para adultos amargando suas ressacas aos sábados pela manhã.

Ouça. Leia. Assista:

Hanna-Barbera – The Archtectics os Saturday Morning

Puss Gets the Boot – Tom & Jerry (1940)

The Flitstones (1960)

Hanna Barbera biografia – Omelete

Imagens: reprodução