Horóscopo de jornal. Um caso recente de algo muito antigo


Curiosidade pela astrologia data de tempos imemoriais e sua utilização na imprensa é fenômeno inerente ao século 20

Crente ou não, agnóstico ou cético, não há como negar que a astrologia como uma (pseudo?) ciência, forma de arte, ferramenta de adivinhação, ou simplesmente uma linguagem simbólica (perfeitamente aceitável), tem sido difundida em culturas por milhares de anos. De maneira geral, a astrologia extrai informações sobre assuntos e relacionamentos humanos, bem como eventos terrestres, a partir da posição de objetos celestes no céu.

Pode ser do tipo que você encontra rotineiramente nos jornais, genérico o suficiente para possivelmente se aplicar a uma ampla faixa de pessoas, mas específico o bastante para fazer o leitor sentir que foi escrito apenas para ele ou ela.

A palavra horóscopo vem das palavras gregas hõra (tempo ou hora) e scopos (observador). Horóscopos elaborados e mapas de nascimento são baseados não apenas na data de nascimento de uma pessoa, mas também no local de nascimento, uma vez que esses pontos de dados são usados para calcular o alinhamento preciso dos planetas e estrelas. Por sua vez, acredita-se, todo esse conjunto afeta o caminho de uma pessoa em vida.

Enquanto os antigos gregos usavam horóscopos — previsões baseadas na posição dos planetas e do sol — há milhares de anos, a versão moderna dos jornais é um fenômeno muito mais recente.

O cidadão britânico R. H. Naylor, um proeminente astrólogo do início do século 20, é amplamente considerado o criador das versões newspaper dos horóscopos. Ele ganhou destaque depois que o Sunday Express da Grã-Bretanha pediu que ele criasse um horóscopo para a princesa Margaret (irmã mais nova rainha Elisabeth II, e tia do atual rei Charles) alguns dias após seu nascimento, em 1930. Naylor traçou o mapa. O mapa astral da pequena princesa previu que “sua vida seria agitada.”

Embora essa previsão possa não ter tido força suficiente para se manter por conta própria, as previsões subsequentes — um desastre de avião e depois alguns eventos posteriores na vida da princesa Margaret — indicaram algum indício de verdade nas ilações de Naylor. Nada que abalasse o Império Britânico, sem dúvida.

Naylor ganhou uma coluna regular no tabloide, chamada What the Stars Foretell (O que as estrelas predizem). Assim, os horóscopos de jornais publicados regularmente começaram a se espalhar pela imprensa de todo o mundo. Inicialmente, eles contavam apenas os horóscopos das pessoas que faziam aniversário na semana da publicação. Mas o apelo popular colaborou para que os horóscopos se tornassem mais atraentes para um público mais amplo.

Naylor começou a confiar nos populares “signos solares” dos signos do zodíaco (um conceito adotado pela primeira vez no Egito Antigo). O mapa circular do zodíaco é dividido em doze segmentos e o signo solar de uma pessoa é determinado pelo movimento do sol. Por exemplo, se você nasceu em Libra, significa que nasceu entre 22 de setembro e 22 de outubro, quando o sol estava passando por aquele segmento específico no mapa circular.

Os signos solares permitiram que as previsões se aplicassem a um número maior de pessoas e eram vagos o suficiente para que aos leitores os entendessem da maneira que melhor lhes conviesse.

No Brasil, a Astrologia chega com Pedro Álvares Cabral. Em uma das embarcações que deram na atual Bahia, estava o navegador-mestre, mas também médico, astrônomo e astrólogo João de Castilha. Reza que o ilustre membro da tripulação empreendedora foi um dos primeiros ocidentais a usar o astrolábio como ferramenta de navegação.

Aí surgiram os almanaques. Uma como forma de veículo cultural, que aparece lá por volta de 1812, já com a Família Real instalada na colônia. Em 1816 foi lançado o Almanach do Rio de Janeiro, que dizem ter sido o mais importante. Em 1829, pós Independência, é lançado o Almanaque Imperial. E em 1839 os almanaques ganham fama popular com o Almanaque Laemmert. Uma espécie de folhinha literária, mas que atinge um impressionante formato de 1,7 mil páginas em 1875.

Um almanaque publicado até hoje é o Almanaque do Pensamento, de 1912, quando era grafado como Almanaque d’O Pensamento. A primeira alusão à astrologia surge numa edição de seus primórdios, ainda no ano de sua fundação, com um texto sobre a Lua, que era regente daquele ano. Lunações e trânsitos planetários e outras informações astrológicas. Além da astrologia zodiacal, o Almanaque publicava informações sobre astrologia chinesa, astronomia, filosofia de vida e espiritualidade.

Segundo o site de astrologia Constelar, “uma matéria sobre astrologia foi publicada em 05/04/1936 na primeira página do jornal carioca Diário de Notícias, falando sobre uma previsão feita por um astrólogo, que previra a prisão do governador. Esse jornal também contava com uma coluna astrológica assinada por um astrólogo sob um pseudônimo”.

Ainda segundo o Constelar: “um dos principais responsáveis pela popularização da Astrologia no Brasil foi o astrólogo Omar Cardoso, que nos anos 1950 iniciou uma intensa atividade de comunicação no país, tendo atuado em São Paulo e no Rio de Janeiro, publicando colunas em revistas, jornais e emissoras de rádios e televisão. Omar Cardoso iniciou a transmissão de seus programas de rádio em Marília, em 1938, além de ser o autor de muitas colunas nas maiores revistas de grande circulação, especialmente O Cruzeiro. Note-se que O Cruzeiro era a mais importante revista em circulação no Brasil naquele período, com tiragem que chegou a mais de 500 mil exemplares, que ‘teve uma contribuição decisiva no renascimento da Astrologia para o grande público’. Era uma revista semanal e continha uma seção com previsão diária e assuntos esotéricos”.

Omar Cardoso continuou a comandar seções de astrologia em programas de rádio e televisão. Em 1966 suas transmissões atingiam praticamente todo território nacional. Cardoso chegou a ser retransmitido por trinta emissoras de rádio e de televisão e construiu sua fama fazendo previsões para personalidades como o papa Paulo VI ou Pelé.

Na década de 1760 no século 18, mais ou menos, foi a época na qual a separação entre astrologia e astronomia começou a se tornar mais aparente. E desde sempre, este campo já estava começando a enfrentar escárnio e não era considerado digno de conceito profissional ou mesmo social.

Com o passar do tempo, após a queda da astrologia em desgraça, o interesse começou a despertar novamente — menos no ambiente acadêmico, apesar do encantamento e  mistério por trás do espaço e das estrelas. O interesse também se estendeu a outras culturas. Havia um certo fascínio pelas tradições que ainda incluíam a astrologia no cotidiano de uma forma que a cultura britânica, ou o ocidente em geral, havia esquecido.

O interesse pela astrologia parece então não apenas ser despertado por causa de suas raízes místicas, mas potencialmente também como uma rota para entender diferentes culturas em todo o mundo – particularmente em áreas recentemente colonizadas pelos britânicos.

Talvez, então, seja a partir deste preceito que a astrologia passou a assumir a forma de uma linguagem simbólica. Por mais difundida que seja em todas as culturas históricas, a astrologia torna-se uma linguagem amplamente falada como qualquer outra, e um caminho para tornar diferentes práticas culturais mais acessíveis e compreensíveis para o público em geral.

Não é preciso dizer que picaretas de toda sorte, como o recém falecido guru da extrema direita Olavo de Carvalho, de triste memória, já infernizaram o astral de muita gente, utilizando-se inclusive da astrologia para seus métodos nada franciscanos de estabelecimento político e intelectual. Um coitado seguido por coitados com cérebro menor que um grão de areia.

No jornal O Estado do Paraná dos anos 1970, um repórter narrou certa feita que havia uma regra na redação: aquele que chegasse mais atrasado ficaria responsável por redigir o zodíaco do dia, signo por signo. Sempre sobrava pra alguém.

A astrologia ganhou ares de arte, especialmente com o surgimento de escritores que trabalham de forma criativa sobre o tema, com destaque no Brasil para o trabalho do psicólogo e escritor João Acuio, autor do brilhante Céu em Transe (Camaleão, 2002), sem dúvida a abordagem mais original sobre o tema já publicada no país. Acuio mantém ainda o centro cultural Saturnália – Escola de Astrologia e Tarot.

Afinal, se a procura eterna do ser humano é por significado, aí estão os signos. Antes de tudo, uma forma de arte.

No caso da imprensa, como as palavras cruzadas e a seção de quadrinhos, um bom entretenimento.

Ouça. Leia. Assista:

Céu em Transe, de João Acuio – Estante Virtual

O “CONTRATO DE DIVERSÃO” DO JORNAL IMPRESSO: CRUZADAS, HORÓSCOPO E QUADRINHOS, por Marcus Antonio Assis Lima, UFMG, 2008. PDF.

Imagens: reprodução