Humor e música. Uma combinação perfeita


Humoristas têm tendência a serem artistas multimídia. Não raro alguns expoentes do humor levam em paralelo consistentes carreiras musicais

Na 76th Street, a uma quadra e meia do Central Park em sua face para a Quinta Avenida, em Nova York, uma fila começa a se formar em torno das cinco da tarde todas as segundas feiras. É o Café Carlyle e a aglomeração de gente se deve ao concorrido show da Eddy Davis New Orleans Jazz Band. Seria uma das tantas atrações musicais da Big Apple não fosse pelo clarinetista, que atende pelo nome artístico de Woody Allen. Gênio do cinema e do humor americano desde quando trabalhava como roteirista de tevê nos anos de 1960.

A paixão de Allen pelo jazz não é segredo pra ninguém. Seus filmes invariavelmente são recheados com o gênero, quando não o tema principal. E o nova-iorquino mais célebre do cinema é um músico dedicado, agindo no palco com a discrição de um coadjuvante. Seu instrumento, o clarinete, é considerado pelos músicos como um dos mais difíceis de se executar. Allen permanece sempre em silêncio e interage apenas com a banda, aguardando sua vez de olhos fechados. O desempenho é bastante satisfatório, apesar dos 165 dólares e o cardápio salgado do Carlyle.

O envolvimento de grandes humoristas com a música não é algo incomum, em que pese chamar a atenção. Normalmente tais artistas são mais reconhecidos pela sua atuação em cinema, televisão e teatro do que pelos seus dotes musicais. Mas há algumas exceções.

Evandro Mesquita era um dos atores do grupo de teatro experimental Asdrúbal Trouxe o Trombone, que no final dos anos 1970 revolucionou as artes cênicas do Rio de Janeiro, elevando nomes como Regina Casé, Patrícia Travassos e Luiz Fernando Guimarães. Mesquita também era músico, atuando como tal inclusive na trupe, que primava pelas performances bem-humoradas.

No começo dos anos 1980 Mesquita liderou um dos maiores fenômenos do pop rock brasileiro em todos os tempos. A performática banda Blitz, igualmente bem-humorada, com Evandro à frente e duas backing-vocals em contraponto, realizava esquetes de uma espécie de “humor musicado”. A Blitz vendeu milhões de discos e elevou o ator à categoria de popstar. O grupo terminou em 1987 e Evandro continuou com sua carreira em tevê e cinema, e alguns discos solo. Sempre interpretando personagens cômicos, com destaque para o mecânico Paulão no seriado A Grande Família. O caso é que, tamanha a fama da Blitz, muito pouca gente sabia que Evandro é antes de tudo um ator.

Outro exemplo emblemático da combinação de carreiras entre músico e humorista é o genial Mussum, personagem eternizado pelo sambista Antônio Carlos Bernardes Gomes, no humorístico Os Trapalhões, liderados por Renato Aragão ao lado de Zacarias e Dedé Santana. Mussum era antes um dos membros de um dos grupos de samba mais bem sucedidos da década de 1970, os Originais do Samba. Mas o sucesso d’Os Trapalhões foi tamanho que o sambista teve que abandonar o grupo, sem nunca deixar de participar dos desfiles de sua escola de samba, a Mangueira, e protagonizar animadas rodas de samba pelos clubes e bares do Rio, além de um concorrido disco solo. No entanto, muita gente ainda é pega de surpresa ao descobrir nos disputados vinis dos Originais a simpática figura do humorista. Um dos mais queridos do Brasil.

No caso de Moacyr Franco, é quase impossível separar o ator do músico. As duas carreiras começaram juntas e nunca se separaram. Franco eternizou o mendigo de A Praça da Alegria (hoje A Praça é Nossa), programa desenvolvido e protagonizado por Manoel de Nóbrega, no ar até hoje, agora com seu filho Carlos Aberto de Nóbrega. Moacyr Franco cantou a marchinha de carnaval Me dá um dinheiro aí — inspirada no mendigo da Praça —, gravou discos de música romântica com sucesso razoável e desenvolveu parcerias diversas, inclusive com Rita Lee em Tudo Vira Bosta, dos últimos sucessos da roqueira.

Na linha do low profile  ao estilho de Woody Allen, também é possível em algum clube de Porto Alegre nos depararmos com o Jazz 6, grupo que tem como saxofonista o escritor Luis Fernando Verissimo. Maior expoente nacional da crônica de humor, Verissimo viveu adolescência e juventude em Nova York, nos anos 1950, quando seu pai, o consagrado romancista Erico Verissimo, servia como diplomata nos EUA. Lá tomou contato com o jazz e nunca mais parou. Ele brinca que o grupo apesar de ser um quinteto continua com o nome original de Jazz 6. “Um sexto integrante infelizmente morreu, mas mantivemos o nome, e hoje somos o menor sexteto do mundo”. Conhecido pelos livros, crônicas de jornal e textos para a tevê, pouquíssimas pessoas sabem que Verissimo tem uma carreira cinquentenária como músico. Realiza shows pela sua cidade e pelo país com bastante frequência. Verissimo é também cartunista.

A exemplo de Evandro Mesquita, há também humoristas que ficaram conhecidos mundialmente por suas bandas. É o caso dos Blues Brothers, no brasil conhecidos pelo filme Os Irmãos Cara de Pau (1981). A banda nasceu dentro do show Saturday Night Live, liderada por Dan Aykroyd e John Belushi em rede nacional nos EUA. Rock, soul e blues fizeram a fama do grupo pelo mundo todo.

É sabido entre os estudiosos que a (boa) música quando entra em contato com nosso cérebro tem o poder de melhorar nosso humor. Então é isso aí. Play it again, Sam.

Imagens: reprodução

Ouça. Leia. Assista:

Woody Allen and Eddy Davis New Orleans Jazz Band (ao vivo)

Originais do Samba (álbum completo)

Jazz 6 (ao vivo)

Blues Brothers (álbum completo)

As Aventuras da Blitz (álbum completo)

Moacyr Franco (álbum completo)