Ao longo de quatro décadas algumas gerações de brasileiros consumiram vorazmente livros “fáceis” e baratos, vendidos em bancas de jornal
O gênero pulp consiste de histórias feitas em papel barato, para consumo rápido. Sua origem está nos antigos folhetins do século 19, tão populares no Brasil quanto no resto do mundo, de onde vieram. Mas foi no século 20 que virou “gênero”, se é que assim podemos chamar. O termo, surgido nos Estados Unidos em torno de 1900, faz alusão direta ao papel vindo da “polpa” de celulose, bastante rudimentar. Depois vieram os livros de bolso (paperbacks) e a industrialização das pulp fictions.
Os temas, a exemplo de grande parte dos folhetins, eram populares. Narravam histórias fantásticas, de mistério, adentravam o terreno do folclore (rural e urbano), depois de faroeste e ficção científica, com o crescimento de diversos subgêneros ao longo de décadas.
A história dos pulps no Brasil se confunde com as da América do Norte e também com a febre das histórias em quadrinhos — especialmente pelo fato de terem como ambiente de compra as bancas de jornal, invés das livrarias tradicionais. A diferença está em que quando o pulp começou a decair nos EUA, ele ganhou ascensão no Brasil.
A primeira revista pulp brasileira foi a Detective, que surgiu em 1936 no Rio de Janeiro, lançada por J.T. Alencar Lima, da Editorial Novidade. Depois, a Mistérios, da LU Editora, também do Rio, com Rubey Wanderley como editor; e a Contos Magazine.
Tais publicações traziam em si vários gêneros que já eram ou viriam se tornar populares: policial, faroeste, horror e aventura. Finalmente, atravessando os 1940’s e a década seguinte, surgiria a X-9 (1941-1962), cujo nome veio de uma revista americana chamada Secret Agent X-9, e inspirou o nome de uma escola de samba em Santos, depois São Paulo. Mas a “febre” estava apenas começando.
Em 1956, os espanhóis Luis de Benito e Juan Fernandes Salmeron, radicados no Brasil, lançam a Monterrey. Pelo regime industrial que imprimiram em sua produção, pode ser considerada a precursora do livro de bolso no país. E imprime também a principal diferença entre o pulp americano e o nacional. A popularização do gênero no Brasil deu-se através de coleções, enquanto nos EUA foi principalmente através de números avulsos e revistas.
A primeira coleção lançada pela Monterrey foi a uma série faroeste O Coyote, a partir de personagem criado pelo autor espanhol José Mallorqui. Um herói mascarado à moda do Zorro. Em 1961 veio a coleção FBI, série de histórias policiais. E em 1963, a Monterrey lança seu grande sucesso: Memórias de Giselle – A Espiã Nua que Abalou Paris.
Escrito pelo jornalista David Nasser em 1948, de forma não-creditada, fora publicada primeiro em capítulos no Diário da Noite. A espiã era Giselle Monfort, à moda de Mata Hari, na França ocupada da Segunda Guerra enganava os nazistas em prol da resistência. Com charme e sensualidade, ocupou também a mente fantasiosa de toda uma geração de garotos com os hormônios em flor, principalmente quando foi reunida e publicada em série pela Monterrey, já nos anos 60.
Giselle Monfort fazia parte da coleção mais exitosa da Monterrey, a ZZ7, com livros predominantemente de espionagem. Os quatro livros da série Giselle venderam 500 mil exemplares. E o melhor ainda estava por vir.
Devido ao sucesso da espiã francesa, os editores espanhóis inventaram uma filha para Giselle, e surgiu Brigitte Monfort. O cúmulo da sensualidade, morena de olhos verdes, fez as cabeças e revirou o imaginário de mais duas gerações seguintes. Retratada em desenho para as capas pelo ilustrador Benício, famoso pelas capas para a coleção ZZ7. É possível dizer que o livro “vendia pela capa”.
Nasser deixara de escrever pulps ainda nos anos 40. Os créditos via de regra não vinham nas edições. Então, quem escrevia essas histórias? Havia uma série de escritores contratados, a maioria assinando com pseudônimo. Mas, de forma predominante, pode-se dizer que eram escritas pelo espanhol Antonio Miguel Vera Ramirez. O verdadeiro rei do pulp em publicações espanholas e brasileiras.
Ramirez escreveu sob uma infinidade de pseudônimos. Entre tantos, assinou Angelo Antonioni, Sol Harrison, Anthony Michaels, Anthony W. Rawer, Angela Windsor, e a própria Giselle, que narrava em primeira pessoa. Brigitte Monfort e boa parte da ZZ7 foi escrita sob o nome Lou Carrigan, seu mais conhecido “autor”.
Mais recente e menos “romântica”, há a incrível história do brasileiro Ryoki Inoue, recordista mundial de livros publicados, coisa de mais de 1.100 títulos. A maioria de faroeste. Desde 1986 até os dias de hoje. Inoue foi parar no Guinness Book.
Há pelo menos quatro gerações de leitores brasileiros que iniciaram o hábito da leitura através dos livros de bolso. Além da Monterrey, outra editora que marcou época na edição dos chamados “bolsilivros” foi a Cedibra (filial da espanhola Bruguera).
O formato do livro de bolso evoluiu para a “alta literatura”, passaram a ser chamados pocket books a partir das edições da L&PM em 1997, de grandes clássicos. Para além, o público feminino foi atraído para coleções de histórias de amor melosas nas coleções Júlia e Bianca, pela Abril. Mas a época em que livros realmente vendiam milhões deu-se entre os anos 1950 e 1980.
Um tempo em que os olhos verdes de Brigitte Monfort povoaram as emoções e as intenções mais afoitas de meninos e meninas, marmanjos profissionais liberais e empregadas domésticas no intervalo de seus afazeres.
Tudo de forma muito acessível, na banquinha mais próxima.
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Ouça. Leia. Assista:
Pulp no Brasil: Ficção Especulativa (Roberto de Sousa Causo)
Literatura Fordista – por Laís Coelho
Um estudo panorâmico dos bolsilivros produzidos para o público masculino: O romance de mocinho, por Cleiry de Oliveira Carvalho (pdf)
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Imagens: reprodução