Autor foi um fenômeno de vendas com livros de bolso de retratavam a violência das gangues londrinas no início dos anos 1970
Joe Hawkins tem dezesseis anos. Sua vida é à base de roupas, cerveja, futebol e violência. Seus alvos são hippies, autoridades, minorias raciais e qualquer outra pessoa que tenha o azar de estar em seu caminho.
Esta é a descrição básica de um personagem do mais baixo estrato social inglês. Mas também da mais baixa literatura britânica da década de 1970. Os livros que protagonizou, entretanto, foram o maior fenômeno de vendas de seu tempo.
James Moffat (1922-1993) foi um escritor canadense radicado na Inglaterra, que escrevia para revistas sobre esportes e que, sob diversos pseudônimos, publicou títulos da chamada hack fiction (faroeste, infantil, policial, terror). Em 1970, já com certa fama devido a sua versatilidade e rapidez à máquina de escrever, foi convidado a criar uma história para a New English Library sobre skinheads, os emergentes jovens da classe trabalhadora cuja violência saltava aos olhos já desde a segunda metade dos 60’s. Para muitos, um grito social autêntico. Para outros, o declínio da civilização ocidental.
O primeiro romance escrito sob o pseudônimo Richard Allen (antes James Allen), Skinhead (1970) escancarava uma retórica fascista, repleta de niilismo. O livro contava as aventuras de Joe Hawkins, o citado gângster de 16 anos, crente de que os cockneys haviam perdido o controle de seu território, o East End em Londres. E partindo deste preceito vivia uma vida desregrada com delitos que iam desde bebedeira e vandalismo até estupros coletivos. A coisa termina com o protagonista preso por espancamento de um policial. O castigo acaba por transformá-lo em um venerado líder da gangue dos skinheads.
A obra vendeu um milhão de exemplares. A New English Library imediatamente encomendou a repetição da fórmula, que partindo sempre do mesmo núcleo de personagens, se estendeu para incríveis 17 outros títulos. Quase metade deles com a palavra “skinhead” no meio.
Allen/Muffat não era do ramo, digamos. Já era quase um senhor à época. Mas exercia sua pesquisa com velocidade, sendo capaz de concluir uma obra novíssima em apenas uma semana, quando precisava. E seu olhar era de precisão raríssima, dado que aquilo que retratava em suas histórias era a mais crua realidade das ruas inglesas do período.
De toda forma, o autor passou a se sentir desconfortável com as acusações de encorajar a violência. O tema principal de quase todos os seus escritos foi o culto skinhead e seus desdobramentos. Seu primeiro livro, Demo, tratou do passatempo “estudantil” do final dos anos 60: marchas de protesto. Mas foi o personagem central Joe Hawkins, presente em sete de seus livros, que ganhou o público, que pedia sempre pelo seu retorno, em cartas que enchiam a caixa postal da New English Library.
Filho de um estivador do East End, Joe é a descrição fiel do skinhead. Líder de gangue, é antes de tudo um hooligan que frequenta os jogos do West Ham. Como é tradição das gangues londrinas (inclua aqui os mods e rockers entre outras menos votadas) costumava viajar a cidades do litoral, onde aconteciam as brigas. Mais notadamente Brighton (cidade retratada no clássico filme/disco Quadrophenia, do The Who).
Suedehead é o segundo livro da “fórmula”, outro grande sucesso, publicado em 1971. No ano seguinte, três livros de Richard Allen foram publicados pela NEL. O Skinhead Escapes conta sobre fuga de Joe da prisão. O livro termina com sua recaptura. Skinhead Girls traz a introdução de Joan Marshall, uma espécie de “mocinha”. Boot Boys é mais sobre a cultura hooligan, com suas peripécias para escapar das autoridades, muito especialmente a cultura do vestuário, depois chamada de casuals. Eram hooligans violentos que se vestiam com roupas “classudas” para não chamar a atenção nos estádios.
Sob retrato tão fiel, até hoje ninguém sabe como um distinto senhor conseguia tanta informação para nutrir suas histórias. Há suspeitas de que se infiltrava nos pubs e conversava com membros das gangues. Mas até hoje não há testemunho acerca de algo assim. E não eram poucos os fãs de Richard Allen. Em 1973 publicou nada menos que cinco livros.
Smoothies, também de 1973, narra o último processo evolutivo do culto aos skinheads. Joan Marshall, a garota, está de volta após o término de seu casamento. É a história da expansão das gangues pelo Reino Unido. Em Skinhead Farewell (1974) Allen parece buscar vestígios de todos os seus personagens. Joe Hawkins é o assunto principal. Sua última fuga da prisão entre outras desventuras, agora com um filho a tiracolo.
Com Terrace Terror e Dragon Skins, de 1975, um novo personagem de Richard Allen aparece. Steve Penn é um ex-skinhead que é recrutado, junto com seus companheiros, para resolver a escalada de violência no território. Dragon Skin é um termo que faz alusão aos filmes de Kung Fu que eram populares na época.
Em Punk Rock (1977), Allen coloca a ascensão do punk rock e da new wave em cena. Conta a história Ina Murray, uma feroz lutadora, com inclinações do tipo punk, cujo vício em violência gratuita a coloca inevitavelmente atrás das grades.
Os livros de Allen estão fora de catálogo. São disputados nos sebos de Camden Town e pelas redes como Amazon. Não há intenção de republicá-los.
Seu sucesso levou a uma infinidade de livros de outros autores, mais notadamente Among The Thugs de 1991 (Entre os Vândalos no Brasil, Companhia de Bolso, 2009), por Bill Buford. Como Trudi Maxwell, Moffat escreveu Diary of a Female Wrestler (Diário de uma Lutadora), um livro muitíssimo ruim, segundo a crítica.
Sob seu próprio nome, Moffat escreveu pelo menos dois romances de ficção científica: A bomba adormecida (New English Library, 1970) e Queen Kong (1977), depois convertido a um filme de baixo orçamento. A BBC lhe dedicou um documentário em 1996, Skinhead Farewell.
Alguém já proferiu que a violência é algo fascinante. Milhões de livros de Richard Allen vendidos depois, não há como negar. Corre na imprensa britânica que o velhinho foi mesmo uma espécie de Charles Dickens da subcultura. Especialmente para os famigerados skinheads (depois associados à extrema direita, o que gera muita controvérsia até hoje). Em tempos de intolerância e radicalismos, faz muito bem refletir acerca de tudo.
Escrevia à base de álcool e cigarros. Depois de longa convalescência, James Moffat morreu em 1993, aos 71 anos.
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Leia. Ouça. Assista:
Skinhead Farewell (BBC, 1996)
Richard Allen – The Charles Dickens of Skinhead – Rebel Rebel blog
Skinhead (1970) – livro (em inglês)
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Imagens: reprodução